quarta-feira, 19 de março de 2008

Amores Impossíveis

Uma das mais velhas frases da nossa civilização é: “ O coração não escolhe quem ama...”. Mil pessoas discordam dessa afirmação até que um belo dia...
Joana tem um relacionamento estável de longa data e tem um amigo Fábio, que também tem um relacionamento ótimo e admirável.Se dão muito bem, trocam experiências sobre coisas em comuns ou não e acreditam estarem devidamente protegidos com a vacina “ amizade entre sexos opostos é absolutamente normal e sadia”...Ai que alívio de não correr esse risco...E pensa: “ Esse povo é volúvel demais e não se firma em romances...O Fábio? Meu amigo, quase irmão”
Vão para cima e para baixo juntos , na companhia ou não de seus respectivos e tem ótimas conversas e como é bom ter um relacionamento assim: sem a menor maldade.
Numa noite fresca de verão, num jantar oferecido na casa de Joana, enqto estão todos na varanda elogiando seus dotes culinários e entrando em outros assuntos corriqueiros, Fábio se aproxima de Joana e enqto ela lhe explica onde estão os refratários para a sobremesa, ele lhe recolhe alguns fios de cabelo que estão caindo sobre os seus olhos e os ajeita cuidadosamente atrás de sua orelha. Ela se rubra. Ele se afasta e vai pegar os tais refratários.Joana percebe que corou e olha rapidamente pelos lados para ver se mais alguém notou.E ponto.
Passado um tempo, depois de todos terem ido embora, ela se deita e permite-se lembrar daquele momento.Sucessões de perguntas a abordam: “ Pq eu fiquei vermelha? Alguém percebeu, será?Pq ele arrumou meu cabelo com tanto carinho? Se somos amigos, isso é normal, mas não foi muito normal, acho q ele me olhou um pouco por segundos antes de fazê-lo.Deve ser o vinho, bebi um pouco a mais.”
E os dias seguintes, embora ela quisesse que fossem os mais normais possíveis, não foram. Cada ligação, cada piadinha, cada elogio, um olhar perdido...Eram causas para questionamentos internos.Ao mesmo tempo que achava que aquilo tudo era loucura da sua cabeça , podia ter quase certeza que ele havia mudado....E Fábio, por sua vez....
Três semanas após o jantar, notou pela primeira vez que Joana estava diferente, mais encantadora que o normal e que o encarava mais, lhe prestava mais atenção. E estranhamente notou que se antes era bom, falar com ela tinha se tornado algo muito melhor.Percebeu também que ela mudou de perfume e alguma coisa o incomodava quando a via com seu companheiro, quando saíam os quatro juntos.
Em algumas conversas deixavam escapar pistas, mas tudo muito discretamente por ambos se acharem loucos.Por serem pistas discretas, as negavam dando a toda aquela situação uma “que” de absurdo, embora ficassem martelando cada provável “dica”.Para provarem que tudo aquilo não passava de palavras e ações mal interpretadas , se aproximaram ainda mais de seus parceiros, mostrando um ao outro que estavam bem e que se alguém desconfiasse de algo, isso contrariaria qualquer dúvida.
E da amizade, nasceu a paixão , uma paixão proibida.Ambos tinham construído vidas paralelas, entretanto, embora o Universo deles fossem diferentes, ambos tinham compromissos sérios, firmes e sólidos, não poderiam simplesmente esquecer de uma história de longa data para dar vazão a um sentimentalismo que sequer sabiam que era real.E negavam novamente, ainda que tivessem uma necessidade enorme de se verem, mas essa necessidade sempre vinha recheada de desculpas, a pior delas: é só saudade de amizade.
O medo de questionar o outro , de se aproximar e indagar até que ponto aquilo tudo era lúcido, os distanciava cada vez mais da verdade. Era o medo da certeza não ser recíproca, de que tudo que imaginou durantes noites e noites, fosse puramente ilusório e principalmente, medo se expor-se e dar término a uma amizade que outrora era tão sadia.
E o que era uma questão simples: Pergunta e resposta, virou uma angústia, um tormento.
Foi Joana quem tomou a iniciativa em pensar que embora fosse uma questão delicada, se houvesse algo de fato acontecendo, Fábio não esconderia por muito tempo, então era mesmo um erro essa paixonite. Talvez por carência, por afinidade, por admiração quem sabe, pintou a coisa toda como bem entendia e não era pra tanto. Ele era seu amigo e não iria decepcioná-lo falando de seus pensamentos, da vontade que tinha de prolongar todos os abraços, de como queria lhe falar que seus cílios eram lindos, que a maneira pontuada com que ele falava quase a hipnotizava. Que seu perfume só a fazia imaginar em quantas partes do corpo dele também moravam esse cheiro, que a sua companhia era a mais maravilhosa de todas não importando quem estivesse por perto, que embora estivesse com seu companheiro, queria mesmo era estar com ele.Ah...se ele soubesse como os dias se arrastavam longe dele e que mesmo ao lado da sua mulher, ainda assim, sua presença era radiante.Não, não poderia lhe explicar que ela compactuava da maioria das coisas que ele lhe dizia, que tinham centenas de coisas em comum e que já se imaginou com ele mais de duas mil vezes e em mais de quatro mil situações.
Mas não podia.Não tinha certeza do sentimento dele.Não poderia ser escorraçada da vida dele por um engano.
E para apartar a tortura, decidiu afastar-se.Foi aos poucos.Menos telefonemas, menos jantares, festas e viagens em comuns. Menos sorrisos, mais desvios de olhares, bem menos pistas.Se ele não as lia antes, é porque não lhe era bom, porque ele simplesmente não achava correto e ele o respeitaria.
Bastaram alguns poucos meses e tudo estava muito frio, quase inerte.E quando Arnaldo, seu companheiro lhe perguntou sobre seu amigo sumido Fábio, mesmo com um nó na garganta , ela lhe respondeu que algumas coisas não são eternas, nem mesmo a amizade que cogitamos ser e que tudo um dia tende a acabar.Derrubou duas lágrimas, mas a cebola que estava cortando lhe salvou de explicações.
Fábio continuou mais sete meses com Lúcia, sua mulher, separou-se porque percebeu que se o que sentiu por Joana o abalou tanto , era tão intenso, o que tinha com Lúcia não era amor.E se não era amor, seria desonesto levar isso adiante, faria mal para ambos certamente.
A última vez que o viram, estava embarcando para uma cidadela do Oriente onde desenvolveria um antigo projeto. E durante a longa viagem, não pôde deixar de pensar:

“ Se naquela mesma noite eu tivesse ousado um pouco mais além de tê-la olhado por alguns segundos e brincado com seu cabelo, se tivesse falado há quanto tempo eu estava ensaiando pra isso, daí então ela perceberia o quanto minha paixão era verdadeira e aí quem sabe, alguma vez, tivesse pensado um pouco em mim....”

Um comentário:

Tati Bortoleto disse...

Linda história... aliás você escreve muito bem... te amo!