segunda-feira, 14 de setembro de 2009

.pintaram o muro de cinza.

Eu conheci a Renata na faculdade.
Um dia, eu e minha turma saímos da classe e ela estava sentada na escada, fumando um cigarro.Ela fazia psicologia e eu,Letras. Curioso q o andar dela nem era o mesmo que o meu, mas ela estava lá.
Sentamos na escada tb e ela puxou assunto, falamos sobre várias coisas e descobri que ela tinha um jeito muito particular de ver a vida.Não se importava por exemplo, de estar ali sozinha conhecendo novas pessoas, não ligava de ir ao bar e beber sozinha no balcão se estivesse rolando um bom som. Mais tarde, vi que ela tb não ligou em puxar uma flauta de dentro da sua mochila e começar a tocar. Seria normal se não estivéssemos numa roda de samba.
Passados alguns meses, ela sumiu da faculdade.Liguei para casa dela e a mãe dela me disse que ela estava internada numa clínica psiquiátrica.Perguntei: "mas como assim, de repente?" e a mãe dela lamentou:" Não foi de repente, ela estava em depressão faz tempo".
Na época eu e toda turma, não tivemos a sensibilidade , nem a maturidade suficiente para enxergar o que realmente ela queria dizer quando filosofava sobre a vida. Quando ela dizia que a vida sempre estava por um fio, que deveríamos viver intensamente, embora a maioria das coisas fossem incertas e que uma hora ou outra, nos machucaríamos, mas que não deveríamos parar. Não entendi que muitas dessas coisas que ela dizia era para se convencer.
Não tive o discernimento de compreender o qto deveria ser dífícil para ela ir sempre p/a a facul, plantar o futuro, se fazer clara no que dizia.Talvez muitas vezes a alegria exagerada que ela apresentava era uma forma de camuflar o desespero.
Renata precocemente viu que a vida é uma viagem difícil e que basta algum mecanismo dentro do carro (que somos nós) não estar nos eixos para que tudo desande. Hoje é possível ver que na época ela descobriu que decepções vem aos montes, que a briga é árdua e exaustiva e que nem sempre estamos dispostos a recolher os cacos e continuar.
Ninguém entendeu quando souberam (inclusive eu) que ela tinha jogado a toalha, que não venceu a batalha contra ela mesmo.Falávamos frases feitas do tipo " Não há motivo para que ela esteja assim. Tem saúde, boa família, amigos...Não há do que reclamar, uma vez q existem problemas maiores". O problema maior que há de existir é aquele que independe do outro, é aquele que tem que ser resolvido com uma única pessoa: você mesmo. Doença visceral de alma, quando o cérebro começa a desencadear questões sem respostas e te cobra para supri-las.
A dificuldade está em desafiar-se diariamente a reagir, a ser um bom cidadão, a pagar suas contas, a ser um bom (oa) filho(a), exímio amigo, bom profissional e não sucumbir a tombos, não deixar-se abater frente a dessabores, ainda que sejam em cadeia...um atrás do outro.As coisas começam a declinar, não vê saída e dentro de vc, inicia-se uma série de conflitos.Ao mesmo tempo que tem q lidar com isso , é necessário que continue a ser agradável, otimista e responsável.Uma vez que a disfunção é interna e não visível aos olhos, ninguém compreende que tudo que precisa é de algum tempo para que as coisas aliviem e finalmente entrem nos eixos.
Conseqüentemente, em busca de respostas , acabamos por nos perder em nosso labirinto interno. Temos um inimigo dentro de nós que começa a ver muitas coisas cinzas e turbulentas, ver o lado mesquinho e o quanto a vida , que antes era tão prazeroza, passa a ser incômoda.
Começo a divagar e pensar no Renato Russo, cantor que admiro e respeito muito. As letras das canções dele eram evidências claras de como em dado momento as coisas são desordeiras.Cazuza em sua implacável ânsia de viver, optou por algo na contra mão e acabou indo embora cedo demais, como tantos outros, até mesmo Elis Regina. Alguém pode até falar sobre o consumo excessivo de drogas e álcool e por isso o fim desastroso.Mas o que dizer sobre o que realmente aconteceu antes para que enxergassem uma saída através da corruptura de seu próprio corpo? Quando não há saída aparente, o desespero toma conta e ele nunca tem uma boa opção.
Não sei o que aconteceu com a Renata. Terminei a faculdade e nunca mais ouvi falar sobre ela.
Gostaria muito de saber como ela está agora e conversar sobre algumas coisas que eu desconhecia.Na época.

Nenhum comentário: