quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Eu vejo flores em você. (parte 1)

- Começou a apertar a chuva.Quer que eu te ajude até seu carro com as compras?

Lucila olhou para o lado para conferir o homem que seguira com os olhos pelo corredor do supermercado.Ajeitou o cabelo atrás da orelha e como que num ato de defesa dela mesmo, recolheu as sacolas com a mão esquerda à mostra,destacando a larga aliança de ouro.
- Não se incomode, são só alguns pingos.

O até então estranho , como se não tivesse ouvido a retalia, recolheu as sacolas que sobraram e começou a caminhar ao seu lado.

Surpreendentemente, Lucila respirou mais alto e tentou adivinhar se alguém ouvia a quantas seu coração estava a disparar-se. Chegaram ao carro e alinharam as compras no porta-mala,pôde notar que um anel também ocupava a mão esquerda do homem alto, de cabelos escuros, sorriso largo e que já alcançava seus 35 anos.

- Muito prazer, Mauro, mas me chamam de Maurico.Você mora no prédio atrás do meu.

Vendo a interrogação que acabava de pairar no rosto dela, se adiantou.

- Não se assuste, não sou nenhum serial killer...É que meu enteado, quando fica em casa, vai ao seu prédio brincar com seu filho e algumas vezes que o busquei a vi na portaria.Não deve ter me visto porque estava dentro do carro - e apontou o dedo em direção ao veículo estacionado depois de três vagas - mas é insulfilmado.
- Ah, sim, deve estar falando do Diogo.É verdade, ele vai brincar às vezes com o João.Muito educado, por sinal, parabéns! Obrigada pela ajuda, mas preciso ir porque se a chuva aperta, perto do viaduto enche de água.
- É verdade...- procurando pelo nome não dito.
- Lucila.
- É verdade, Lucila. Nos vemos quando as crianças se encontrarem.

Trocados sorrisos e apertos de mãos,cada um seguiu seu caminho.

Algumas semanas mais tarde, a poucos metros de seu prédio, avistou Mauro encostado no carro dele.
- Perdido?
- É, na verdade vim te trazer meu cartão, caso queira mandar seu filho para minha casa qualquer dia desses é só ligar que venho buscá-lo. Meu enteado está para chegar e talvez eles se divirtam juntos.
- Ótimo, muito obrigada. Não precisa se incomodar, mas de qualquer forma, obrigada pela gentileza.
- Está a pé?
- É, estou dividindo o carro com meu marido e como o trabalho dele é fora de mão, precisa mais que eu.
- Quer uma carona?Aonde está indo?
- Não, de maneira alguma, é perto. Vou ao banco que fica a 5 ou 6 quadras daqui.
- É meu caminho - deu a volta no carro e abriu a porta - Vamos, o que há de mal em economizar 15 minutos do seu tempo?

Ela recusou de novo, mas ele fez uma expressão de "faça isso por mim ou vai me matar" que evitou qualquer discurso.

Entrou.

Durante o pequeno trajeto, tudo que Lucila tentava ser era natural.Mas se pegava analisando como ele conduzia o carro, como falava sempre acompanhado de um sorriso, como mexia no quebra-vento, como suas pernas eram grossas e convidativas ao toque. Trocaram algumas banalidades do cotidiano e quando parou o carro perto do banco, foi ele que se manifestou. Tirou o cinto de segurança e sem se virar para ela, tocando despretensiosamente o volante , disse:

- Você faz idéia das vezes que pensei em te abordar? Aquela vez no mercado foi a milésima tentativa de falar com você e a única que me encorajei.Antes de disso, te via pelo mercado, te via agradar seu filho quando passava na minha rua e como um adolescente ia buscar o Diogo na esperança de te ver e trocarmos algumas palavras. E desde nossa última rápida conversa, não penso em outra coisa senão vê-la de novo.

Lucila estava emudecida e uma série de pensamentos tomou conta dela. O fato de ser casada há 10 anos, de ter uma família, de nunca ter traído e nunca ter se encontrado em semelhante situação, a paralisava.Em contrapartida, pensava em como todo seu casamento havia caído na rotina, de como passou de mulher independente a dona de casa num estalar de dedos e que muitas vezes sentia-se como um objeto que decorava o ambiente em sua própria casa. Já vivia pelo sonho do outro e seus sonhos já estavam engavetados.

- Sei que é casada, Lucila. Assim como eu também sou e não sou do tipo de canalha que te falará do quanto as coisas andam ruins no casamento e que estamos juntos, mas que estamos infelizes.Meu casamento não é ruim e por isso adiei tanto em te procurar, porque simplesmente não entendia porque tenho uma mulher, mas acabei me enamorando por outra. Não me peça para te explicar, mas sua presença tira meus pés do chão. Talvez ache que sou um cafajeste e queira apenas uma aventura...Pense o que quiser e tem todo direito...Ah! Meu Deus, o que estou fazendo? Você deve estar me achando um louco. Não sei, não sei, você tem alguma coisa diferente.Contorno meu pensamento, mas vira e mexe me pego pensando em como seria estar com você.

- Obrigada pela carona e lembranças ao Diogo.

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