terça-feira, 25 de agosto de 2009

Eu vejo flores em você.(parte 2)

Ao passo que foi se afastando do carro,sentiu lisonjeio , frio na espinha, tremor nas pernas, uma ponta de satisfação temperada com um quase arrependimento por ter aceitado a carona. Na fila do banco, nem conseguia ordenar seus pensamentos, tudo o que ela havia sentido quando o viu no mercado fora recíproco. Tentou evitar uma série de pensamentos, mas antes que pudesse fazê-lo já estava imaginando como seria beijá-lo, acariciá-lo, entregar-se a ele.

Convenceu-se por algum tempo de que era absurdo e até descortês da parte dele tê-la abordado assim. Afinal, quem ele pensava que ela era? Uma qualquer que se deixa levar por meia dúzia de palavras em flerte? A visão ofensiva serviu para abrandar e disfarçar seus pensamentos lascivos.

Vida normal seguiu-se nos dias que se sucederam ou quase normais.Porque agora, Lucila revistava a rua com os olhos para ver se Maurico não estava de espreita em algum lugar. Paquerando à paisana.E nada. E mais dias e nada. E nada.Sumiu.
E para se enganar , pensou : “ Melhor assim”.

Quarenta dias haviam se passado quando João, seu filho, chegou da quadra poliesportiva com Diogo.Bastou que ela colocasse os olhos na criança para saber que hoje o veria novamente. Maurico.
Lucila se aprumou como que se fosse a um encontro.
Escovou os cabelos bem hidratados que desciam três palmos abaixo dos ombros para trás, colocou uma fivela com um pequeno e delicado detalhe, recolhendo os fios da franja.Usava uma blusa de alça fina por baixo de um casacote azul cor de céu e uma saia que não chegava a ser godê, mas tinha um excelente caimento até a altura dos joelhos. Com um xadrez suave e tecido leve, sensualizava seu corpo. Calçada em sua sapatilha baixa, desceu às 17:00h para entregar o garoto ao padrasto.
Mauro estava encostado no carro, tragando um cigarro.Ao vê-la, livrou-se dele e passou a mão na camisa a fim de deixá-la uniforme.

- Ai está sua entrega, Mauro.
Diogo correu para o interior do carro.
- Obrigada e desculpa o trabalho.
- Nunca é trabalho algum, traga sempre que quiser.
Ficaram num silêncio constrangedor por alguns instantes.E de novo ele, dessa vez quase sussurrando:
- Não deixei de pensar em vc um só instante.
Ela o olhava firme:
- É melhor você ir.
- Amanhã. Amanhã às 14:00h no Centro de Estudos, ao lado da estação de metrô.
- Como você...
- Por favor, 14:00h. Por favor, Lucila.

Entrou no carro e partiu.

O dia amanheceu e Lucila cuidou de todos os afazeres como de hábito. Há anos que vivia desses costumes.Cuidar de casa,do seu filho João,do seu marido Henrique, administrar as contas, não engordar, cozinhar de formas variadas, estar sempre disposta ao sexo, lembrar a agenda pessoal de seu marido, verificar as gavetas,ver se precisa repor meias e camisas brancas, zelar pela educação escolar do João, preparar aniversários, Natais, almoços, ir à igreja aos domingos, visitar os pais, declarar os impostos quando necessário.

Com seus 32 anos já havia se perguntado algumas vezes se teria valido à pena largar a carreira na empresa para se dedicar a essa vida doméstica. Se teria também valido à pena, ter-se casado com 22 anos de idade, recém formada, sem ter desfrutado do que a vida nos reserva nessa fase (assim como em todas as outras, mas é nessa fase que se tem mais fichas a apostar).Trabalhou só até quando o pequeno João nasceu, depois,abdicou de tudo para cumprir seu papel de boa dona do lar. E agora que ele está com 5 anos, a impressão que tem é que sua vida se transformou numa massa sem gosto e sem cor.Desinteressante.

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